quarta-feira, 18 de março de 2009

domingo, 15 de março de 2009

sexta-feira, 13 de março de 2009

Esquece ou Canta



Minha vida violada voltou. Com um saco às costas
Busquei as pinhas verdes de rapaz,
Tirei do mar a onda nítrica a iões difusos
Que endereça os peixes, arfa ao vento e capta
Com ouvidos de sal os sons do Verão que morre.
Afaguei as ovelhas na trama lassa aos meses,
Vapor de água durando, já chuva no pinho lacrimoso.
A poetisa viúva trouxe-me seus pobres versos
E a tarde compensou sua meia humildade.
A morte estacou na esperança. Fugi vivo.
Só depois percebi que a maneira era outra:
Ao céu velado o sol não chegava a romper,
Um fio de ouro à minha viola falsa
Vibrou o novo som compadecido
E fui então o que venceu a sua alma.
Rememora na noite a pomba e a virgem,
Esquece as cores que a terra tinha e o amor criou,
Restitui os desejos a quem saiba,
A paz aos que te sofrem — e arde vivo
Na lembrança de Deus. Esquece ou canta.


Vitorino Nemésio

terça-feira, 10 de março de 2009

Ao Longe os Barcos de Flores

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
— Perdida voz que de entre as mais se exila,
— Festões de som dissimulando a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

Camilo Pessanha

sexta-feira, 6 de março de 2009

quinta-feira, 5 de março de 2009

Canção À Ausente


Foto: Graça Loureiro

Para te amar ensaiei os meus lábios…
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios!

Para tocar-te ensaiei os meus dedos…
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!

Para te ouvir ensaiei os meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio…
Para te ouvir ensaiei os meus ouvidos!

E a vida foi passando, foi passando…
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.

A vida foi passando, foi passando…
E nunca mais vieste!

Pedro Homem de Mello

quarta-feira, 4 de março de 2009

Nu de Costas



Este quadro faz parte de uma mostra colectiva patente no Museu de Santiago do Cacém.

Erik Satie

terça-feira, 3 de março de 2009

A Escrita


a escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo



Al Berto

Hoje estou assim


A vida arrumada em caixas.