terça-feira, 16 de dezembro de 2008
domingo, 30 de novembro de 2008
Depus a máscara
Depus a máscara e vi-me ao espelho.
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.
Álvaro de Campos/Fernando Pessoa
sábado, 29 de novembro de 2008
A Pobre Rainha
Um triste violino dançando-me , uma máscara derretida num sonho de cordel. Ai o doce e aconchegante prazer de ser amada, a carícia possuída na memória que se lavra no escalarte signo da existência.
"Oh! Como me conhecem
a noite e o deserto e meu corcel!
e a lança e a batalha
e a pena e o papel!"
Al-Mutanabi
domingo, 23 de novembro de 2008
Tempo
domingo, 2 de novembro de 2008
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
Carta de Milfontes
Foi em 1978, no Verão, que te conheci. Nesse ano, num dos poemas de «doze moradas de silêncio» citei Rilke: «Uma só coisa é necessária: a solidão, a grande solidão interior. Caminhar em si próprio e, durante horas, não encontrar ninguém - é a isto que é preciso chegar.»
Depois, a paisagem onde nos encontrámos desapareceu, a pouco e pouco, num desfocado adeus. Eu escrevia, fechado num quarto de pensão, e tu retiravas-te do meu quotidiano. Morrias longe de mim.
O corpo que hoje regressa a Milfontes, já não é o corpo esplêndido que conheceste. Se há coisas na vida que contam com o tempo, são a amizade e a velhice. (O tempo fez-me perder a primeira, enquanto acentuava a segunda.)O olhar embaciou-se para o que me rodeia. Hoje, sem ti, já não consigo pressentir a sombra magnífica da noite sobre o rio. Nada se acende em mim ao escrever-te esta carta.
Só a foz do rio parece guardar a memória duma fotografia há muito rasgada. O vento, esse, persegue a melancolia dos passos pelas dunas. É possível que os verões ainda sejam o que eram... com os corpos estendidos ao sol, e a oferenda de um sorriso malicioso a confundir-se com o marulhar das águas.Mas ninguém possui verdadeiramente alguma coisa. As coisas do mundo pertencem a todos e, sobretudo, a quem aprendeu a nomeá-las. E já não consigo nomear nada. Não me lembro sequer de um nome que resuma o movimento desastroso dos dias.
O teu rosto deixou de se acender na ilusão de te possuir mais uma noite.Nada evoca esse tempo de frémitos de asas sobre a pele. Nenhum rumor do rio sobe até mim. Nenhuma ferida ficou por sarar.
Deixei que os ventos e as chuvas apagassem o desejo no rastro dos répteis incandescentes. Sinto-me como a haste quebrada da urze ao abandono nas areias varridas pelo oceano.
Contemplo as dunas, o casario contra a noite que se fecha, as luzes, o rio, as sombras das pessoas, o mar como uma lâmina sob a lua - e a ausência alastra em mim, cortante.
Sento-me onde, dantes, me sentava contigo, perto do farol. O que me rodeia move-se no interior surdo de suas próprias sombras. É um movimento invisível através de territórios que o olhar mal assinala. Concentro a minha atenção nesses lugares que a luz não pode alcançar. Lugares escuros onde se escondem receios antigos e desilusões.
Mantenho-me imóvel, tacteio teu rosto diluído na salina claridade do entardecer.Adormeço ou começo a subir o rio para fugir à imensa noite do mar.…
Escreve-me, peço-te, enquanto a tua imagem permanece nítida perto de mim....
Vou prosseguir viagem assim que o dia despontar e o som do teu nome, gota a gota, se insinue junto ao coração.…
Al Berto
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Herberto Helder
O barulho do mar e do vento. A montanha, a ideia da montanha impraticável. E depois a terra arenosa por ali fora. E a solidão. E sentir sobretudo que já não pode haver medo. Fecho as portas da casa, a porta de saída e as portas dos quartos entre si. E fico no quarto sem soalho e deito-me no chão. Ouço o mar e o vento à frente e atrás da montanha solitária e poderosa. Depois encosto a cara à terra profundíssima para escutar o seu húmido sussurro atravessando-a toda e passando por mim. E então poderei morrer.
excerto de Os Passos em Volta, Ed.Assírio & Alvim
domingo, 26 de outubro de 2008
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
É que madruga
O realejo
Nos passeios – ganha
Em altura,
A roda. Insolente,
Trepa
Da rua às casas,
Ainda quentes,
Enquanto lá em baixo
Deus corta o fio que
Libertando a trama
Enche de fumo
O espelho junto à cama. E já
Explode a tua vida,
Ao bater brusca
No catavento em chamas.
Cortante, no frio da manhã,
A ventania junta
Em redor do galo
A plumagem, taciturna,
Que levanta no alto
Daquela cidade,
Os telhados,
Inclinados sempre
- quando se ama.
A roda cantarola, vai
E vem nas horas
Que passam, aguçadas,
Já não vem ninguém?
Gil de Carvalho
Novas de De Fevereiro a Fevereiro, Centelha, Lisboa, 1987
terça-feira, 14 de outubro de 2008
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