quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo
(…) – Não percebo porque as árvores e as plantas não usam ceroulas, camisas, colarinhos altos e peitilhos de goma. (…) – Não me digam que as azinheiras não ficariam bem de capas à alentejana. Ou os castanheiros de capindós de burel. Quanto aos pinheiros, fantasio-os sempre de fraque, solenes, hirtos crepes nos chapéus de coco. (…)
José Gomes Ferreira in Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo
Foto feita na Quinta de São João -06/08/10
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Sobre Literatura
A leitura das obras literárias obriga-nos a um exercício da felicidade e do respeito na liberdade de interpretação. Há uma perigosa heresia crítica, típica dos nossos dias, pela qual de uma obra literária se pode fazer o que se quiser, lendo nela o que nos sugerirem os nossos impulsos mais incontroláveis. Não é verdade. As obras literárias convidam-nos à liberdade de interpretação porque nos propõem um discurso a partir dos inúmeros planos de leitura e nos colocam perante as ambiguidades da linguagem e da vida. Mas para podermos avançar neste jogo, pelo qual cada geração lê as obras literárias de maneira diferente, temos de ser movidos por um profundo respeito em relação à que denominei algures por intenção do texto.
Umberto Eco
"Sobre Algumas Funções Da Literatura", Sobre Literatura, Difel, 2003
Umberto Eco
"Sobre Algumas Funções Da Literatura", Sobre Literatura, Difel, 2003
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
O Contrabaixo Patrick Süskind
Sabem… estou deveras apaixonado. Ou apaixonado, não sei. E ela também ainda não sabe. É a …de quem falei à pouco… a pequena … a do elenco da ópera, aquela cantora jovem que se chama Sarah … - É tudo muito improvável, mas se… se alguma vez chegar a vias de facto, alguma vez, então insisto em que o façamos em casa dela. Ou num hotel. Ou fora de portas, no campo, se não chover…
p. 36
p. 36
Código Secreto de Platão
Foi anunciado nos meios académicos que Jay Kennedy, um historiador de ciência da Universidade de Manchester, acaba de descobrir o "código secreto" do mais famoso dos filósofos gregos. O seu estudo foi publicado na revista "Apeiron", dedicada ao estudo da filosofia e ciência da Antiguidade, e é anunciado pelo próprio como o começo da descoberta da "filosofia escondida de Platão".
Jay Kennedy, um filósofo que estudou matemática em Princeton e Stanford antes de se dedicar aos estudos clássicos, baseia-se essencialmente na contagem das linhas dos textos gregos. A ideia pode parecer estranha, mas há várias razões que tornam comum este tipo de análise. Tão comum que constitui uma disciplina estabelecida, que dá pelo nome de "esticometria" (stíchos é linha, fila ou verso em grego).
A contagem das linhas era usual na Antiguidade pois os escribas eram habitualmente pagos à linha e o número de linhas de um manuscrito era o que dava uma medida rigorosa do seu tamanho. A contagem de linhas era também usada para verificar se as cópias estavam conformes aos originais. Por tudo isto, não será irrealista esperar que os manuscritos gregos antigos que reproduzem os escritos de Platão estejam organizados de forma semelhante à que o autor originalmente lhes deu.
Com a possibilidade de tratamento digital das imagens e de contagem automática de partes de um texto, a esticometria desenvolveu-se imenso; mas só agora, com Jay Kennedy, foi feito um estudo sistemático de todas as obras conhecidas de Platão. O estudioso confirmou que os diálogos estão organizados na base de múltiplos de 12, conforme outros já tinham intuído. Assim, a Apologia tem cerca de 1200 linhas, Protágoras, Crátilo, Filebo e o Simpósio 2400, Górgias 3600 e a República 12000. E descobriu que as passagens mais dramáticas aparecem entre o oitavo e o décimo doze avos de cada obra. Reparou ainda que os temas estão colocados no que parece ser o equivalente a uma escala musical, também ela baseada em 12 notas de uma oitava. Assim, os temas virtuosos aparecem em posições que correspondem a notas harmónicas, enquanto os temas negativos estão em posições que correspondem a dissonâncias musicais.
Todas estas afirmações parecem estar solidamente apoiadas nos números, embora haja sempre alguma subjetividade na marcação das passagens. O que talvez não seja tão extraordinário são os ajustamentos aos doze avos. Com efeito, 1/2, 1/3, 1/4 e 1/6 são todas frações que podem ser expressas em doze avos: 6/12, 4/12, 3/12 e 2/12. É natural que frações de 12 se encontrem frequentemente ao procurar partes de um todo.
A base 12 seria, aliás, uma base de numeração mais conveniente que a de 10, que hoje usamos. Por alguma razão nas medidas imperiais um pé tem doze polegadas e ainda hoje o mostrador de um relógio se subdivide em 12 horas. Isso acontece porque 12 tem muito mais divisores do que 10. Consideremos apenas os divisores próprios, isto é, os inteiros que dividem um número e que não são nem a unidade nem o próprio número. Enquanto 10 apenas é divisível por 2 e por 5, 12 é divisível por 2, 3, 4 e 6. O número 12 é o que se chama um "número abundante", pois a soma dos seus divisores próprios excede-o (2 + 3 + 4 + 6 = 15 >12). É, aliás, o mais pequeno número abundante. Não é de espantar que as frações com 12 no numerador abundem na esticometria de Platão. Esperemos, para ver se Jay Kennedy está na pista de algo verdadeiramente interessante.
Texto publicado na edição do Expresso de 14 de agosto de 2010
Jay Kennedy, um filósofo que estudou matemática em Princeton e Stanford antes de se dedicar aos estudos clássicos, baseia-se essencialmente na contagem das linhas dos textos gregos. A ideia pode parecer estranha, mas há várias razões que tornam comum este tipo de análise. Tão comum que constitui uma disciplina estabelecida, que dá pelo nome de "esticometria" (stíchos é linha, fila ou verso em grego).
A contagem das linhas era usual na Antiguidade pois os escribas eram habitualmente pagos à linha e o número de linhas de um manuscrito era o que dava uma medida rigorosa do seu tamanho. A contagem de linhas era também usada para verificar se as cópias estavam conformes aos originais. Por tudo isto, não será irrealista esperar que os manuscritos gregos antigos que reproduzem os escritos de Platão estejam organizados de forma semelhante à que o autor originalmente lhes deu.
Com a possibilidade de tratamento digital das imagens e de contagem automática de partes de um texto, a esticometria desenvolveu-se imenso; mas só agora, com Jay Kennedy, foi feito um estudo sistemático de todas as obras conhecidas de Platão. O estudioso confirmou que os diálogos estão organizados na base de múltiplos de 12, conforme outros já tinham intuído. Assim, a Apologia tem cerca de 1200 linhas, Protágoras, Crátilo, Filebo e o Simpósio 2400, Górgias 3600 e a República 12000. E descobriu que as passagens mais dramáticas aparecem entre o oitavo e o décimo doze avos de cada obra. Reparou ainda que os temas estão colocados no que parece ser o equivalente a uma escala musical, também ela baseada em 12 notas de uma oitava. Assim, os temas virtuosos aparecem em posições que correspondem a notas harmónicas, enquanto os temas negativos estão em posições que correspondem a dissonâncias musicais.
Todas estas afirmações parecem estar solidamente apoiadas nos números, embora haja sempre alguma subjetividade na marcação das passagens. O que talvez não seja tão extraordinário são os ajustamentos aos doze avos. Com efeito, 1/2, 1/3, 1/4 e 1/6 são todas frações que podem ser expressas em doze avos: 6/12, 4/12, 3/12 e 2/12. É natural que frações de 12 se encontrem frequentemente ao procurar partes de um todo.
A base 12 seria, aliás, uma base de numeração mais conveniente que a de 10, que hoje usamos. Por alguma razão nas medidas imperiais um pé tem doze polegadas e ainda hoje o mostrador de um relógio se subdivide em 12 horas. Isso acontece porque 12 tem muito mais divisores do que 10. Consideremos apenas os divisores próprios, isto é, os inteiros que dividem um número e que não são nem a unidade nem o próprio número. Enquanto 10 apenas é divisível por 2 e por 5, 12 é divisível por 2, 3, 4 e 6. O número 12 é o que se chama um "número abundante", pois a soma dos seus divisores próprios excede-o (2 + 3 + 4 + 6 = 15 >12). É, aliás, o mais pequeno número abundante. Não é de espantar que as frações com 12 no numerador abundem na esticometria de Platão. Esperemos, para ver se Jay Kennedy está na pista de algo verdadeiramente interessante.
Texto publicado na edição do Expresso de 14 de agosto de 2010
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Capela de Santo António, "O Esquecido"
O Contrabaixo Patrick Süskind
O contrabaixo é assim. Quando temos visitas, ele é a vedeta. Tudo o que se diz tem a ver com ele. Se se quer estar sozinho com uma mulher, lá está ele a vigiar-nos. Se se chega a uma situação de maior intimidade… ele assiste a tudo. Temos sempre a sensação de que ele se está a divertir, que torna o acto ridículo. E claro que esta sensação se transmite à visita, e então … sabem como é, o amor físico e a sensação de ridículo têm tanto a ver um com o outro, e como isso é difícil de suportar! É deplorável! Não funciona de todo. Desculpem …
pp. 34 e 35
pp. 34 e 35
domingo, 15 de agosto de 2010
sábado, 14 de agosto de 2010
Dignidade
Fui falar-te como se fosse a uma casa de penhores
Empenhar o meu último casaco
Sem flores
Sem anéis
Sem colares
E os saltos tortos dos sapatos
Palavras não houve
Sorriso apenas meu
De pessoa serena sem passado e sem futuro
Entregaste-me a cautela dos dias inúteis
E eu assinei
Só eu sabia que vinha nua
Matilde Rosa Araújo
Foto feita na Praia da Vacaria - 08/08/10
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
3 - 1 - 1934
Tem harém o sultão, mas quem só tem
O pensamento, nunca tem harém.
Medita inutilmente em teu profundo
Coração, livre do que é mal ou bem.
Bebe e sê nada! Queiras ou não queiras,
De umas ou outras infiéis maneiras,
O teu destino invade-te como água
Quando o rio alça o curso sobre as leiras.
Quem sabe do que sabe? Quem conhece
O que é? Quem lembra sem esquecer que esquece?
Sob altos ramos, mudos fugitivos
Do sol, bebamos. Outro dia desce.
Canções de Beber na Obra de Fernando Pessoa
Fixação de texto, organização, prefácio e bibliografia de Maria Aliete Galhoz
p. 57
Foto feita em Vila Real - 13/08/10
O Contrabaixo Patrick Süskind
Aliás não conheço nenhum colega que tenha chegado de livre vontade ao contrabaixo. E de certa maneira isso até parece evidente. O instrumento não é facilmente manejável. Um contrabaixo é, como é que eu hei-de explicar, uma espécie de obstáculo como instrumento. Não se pode transportar, tem de ser arrastado, e quando cai, isso dá cabo dele. Só entra num carro, se se baixa o banco da frente. E então o carro fica praticamente cheio. Em casa é preciso andarmo-nos sempre a afastar dele. Ele está para ali … para ali, sabem, mas não como um piano! Um piano é um móvel a sério. Um piano pode fechar-se e deixar-se ficar onde está. Com ele não. Ele anda sempre por ali como …
pp. 33 e 34
pp. 33 e 34
Capela de São Brás
Templo gótico, contíguo à Igreja de São Dinis, no século XIV foi transformado num panteão familiar. Conserva elementos românicos, nomeadamente as gárgulas representando cabeças e bustos humanos. Tem no interior pinturas murais quinhentistas atribuíveis à escola do Grão Vasco e, entre outros pontos de interesse está o notável túmulo manuelino de João Teixeira de Macedo. (Monumento Nacional)
Foto feita em Vila Real - 13/08/10
Museu da Vila Velha
O Museu da Vila Velha constitui-se como o corolário das campanhas arqueológicas levadas a cabo nos últimos anos na Vila Velha. Os trabalhos desenvolvidos deram já resultados, de uma dimensão inimaginável para o público em geral. No entanto, pretende-se que esses mesmos trabalhos continuem, contribuindo assim para um acumular de informação - e de acervo - que terá como consequências mais evidentes as exposições a realizar pelo Museu da Vila Velha. Ao mesmo tempo, pretende-se aumentar o número de áreas arqueológicas visitáveis, para além das já existentes - estrutura das Portas da Vila e vestígios de malha urbana na Rua de S. Dinis.
A organização do espaço interior do Museu, com a distribuição de espaços por dois pisos, permite a definição de duas áreas expositivas: no piso inferior, uma área dedicada a exposições temporárias, de temática diversa; no piso superior, uma área para a realização de exposições de média duração, preferencialmente relacionadas com a arqueologia.
http://mvv.cm-vilareal
As Plantas Deslocam-se
as plantas deslocam-se
fendem a parte granítica da memória
os quartzos e as argilas provocam a amnésia
o corpo alimenta-se de resina
tolhe-se cintilante a um canto da casa
serão os pastores capazes de reacender o mágico fogo?
a terra incha abre-se às sementes mais amargas
o jardim abandonado nos lábios das crianças
os animais vêm beber em teus lábios
água púrpura e breves nuvens de açúcar
e no instante de um cometa eclode a última flor viva
o regresso é uma queda dolorosa de órbita em órbita
no entanto
nenhum obstáculo foi suficiente para impedir
este cíclico regresso à terra
nem mesmo o inflexível rigor da morte extravasou
os fascinados rebanhos
In O Medo
Al Berto
Foto feita na Quinta dos Olhos Bolidos - 05/08/10
O Contrabaixo Patrick Süskind
Durante uma ópera perco, em média, dois litros de líquido; num concerto sinfónico perco mais um. Conheço colegas que vão correr para a floresta, praticam pesos e halteres. Mas eu não! Qualquer dia porém, sou de tal maneira despedaçado pela orquestra, que nunca mais tenho conserto. Porque tocar contrabaixo é mera questão de energia; em princípio, isso nada tem a ver com a música. É por isso que uma criança nunca há-de tocar contrabaixo na vida. Eu próprio comecei aos dezassete. Agora tenho trinta e cinco. Não foi de livre vontade que comecei. Foi por acaso, como a virgem que se transforma em mãe.
p. 33
p. 33
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Canções de Beber na Obra de Fernando Pessoa
No I Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, realizado no Porto em 1978, o Prof. Doutor Alexandrino Severino, da Universidade de Nashville, Estados Unidos da América, chamava a atenção, na sua comunicação, para uma composição poética publicada pelo próprio Fernando Pessoa na revista Contemporânea, 3º série, nº 3, em 1926, e não incluída até aquela data, 1978, em nenhuma edição de poesia de Fernando Pessoa. Trata-se de um rubaiyat de três elementos (uma quadra + uma quadra + uma quadra), na esteira do tipo de tradução formal que Edward Fitzgerald dera às suas versões de rubaiyat atribuídas a Omar Kayyam.
Canções de Beber na Obra de Fernando Pessoa
Fixação de texto, organização, prefácio e bibliografia de Maria Aliete Galhoz
p. 7
Imagem retirada da Net
Canções de Beber na Obra de Fernando Pessoa
Fixação de texto, organização, prefácio e bibliografia de Maria Aliete Galhoz
p. 7
Imagem retirada da Net
Rubaiyat odes ao vinho
Rubaiyat é o plural da palavra persa ruba’i que designa uma pequena composição em verso composta por duas linhas, cada uma delas com um hemistíquio ou quebra, que transforma assim essas duas linhas em quatro versos. Esta é provavelmente a origem das quadras ditas populares, mas não devemos cair em simplificações fáceis, pois o esquema rítmico da ruba’i é diferente das nossas quadras populares e também se deve dizer que, embora a ruba’i seja uma forma poética original típica da literatura persa medieval, ela provavelmente se insere numa tradição mais vasta de poemas curtos, oriunda de outras culturas orientais mesmo mais antigas.
p. 8 e 9 (1ªedição)
p. 8 e 9 (1ªedição)
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
… Vejam só … é assim que as coisas muitas vezes acontecem. O melhor desaparece, porque a roda do tempo se lhe opõe. E esta faz rolar tudo por aí abaixo. É o caso dos nossos clássicos, que, sem dó nem piedade, deitaram abaixo tudo o que se lhes opunha. Inconscientemente. Acho que não. Os nossos clássicos eram pessoas honestas. Schubert era incapaz de fazer mal a uma mosca e Mozart era às vezes um bocado agreste, mas, por outro lado, uma pessoa de rara sensibilidade e incapaz de qualquer violência. Beethoven também não. Apesar dos seus ataques de fúria. Beethoven quebrou, por exemplo, diversos pianos. Mas nunca um contrabaixo, justiça lhe seja feita.
p. 22
p. 22
Rubaiyat odes ao vinho
Omar Khayyam tem para nós a realidade histórica das lendas. As Rubaiyat que lhe são atribuídas, essas têm a consistência dos textos que se lêem e sobre os quais se podem exercer análises críticas. Mas torna-se desde logo evidente que a sua leitura se nos propõe como leitura de gosto e de prazer.
Parece até que desde o se aparecimento na cultura ocidental, através das versões do poeta inglês Edward Fitzgerarld (1858), as Rubaiyat de Omar Khayyam têm tido esse destino mágico: a leitura apaixonada, as traduções e adaptações nas mais variadas línguas, a rejeição em termos igualmente emocionais, em nome de morais ou de religiões. Mas não há dúvida de que uma moda de estilo vitoriano foi iniciada pelas versões de Fitzgerald, criando no espírito ocidental uma imagem idealizada da cultura persa do século XII e fazendo de Omar Khayyam quase uma figura folclórica ligada ao uso imoderado do vinho e aos prazeres de um erotismo exótico.
p.7
A minha edição é de 1990 (1ª edição).
Parece até que desde o se aparecimento na cultura ocidental, através das versões do poeta inglês Edward Fitzgerarld (1858), as Rubaiyat de Omar Khayyam têm tido esse destino mágico: a leitura apaixonada, as traduções e adaptações nas mais variadas línguas, a rejeição em termos igualmente emocionais, em nome de morais ou de religiões. Mas não há dúvida de que uma moda de estilo vitoriano foi iniciada pelas versões de Fitzgerald, criando no espírito ocidental uma imagem idealizada da cultura persa do século XII e fazendo de Omar Khayyam quase uma figura folclórica ligada ao uso imoderado do vinho e aos prazeres de um erotismo exótico.
p.7
A minha edição é de 1990 (1ª edição).
Sozinha no Bosque
Sozinha no bosque
Com meus pensamentos,
Calei as saudades.
Fiz trégua a tormentos.
Olhei para a Lua,
Que as sombras rasgava,
Nas trémulas águas
Seus raios soltava.
Naquela torrente
Que vai despedida.
Encontro assustada
A imagem da vida.
Do peito, em que as dores
Já iam cessar,
Revoa a tristeza
E torno a pensar.
Marquesa de Alorna
Foto feita na Quinta de S.João - 06/08/10
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Ligo a ternura eléctrica do calorífero que queima mais do que aquece e me frita a perna. A ementa não varia, como sempre a mesma coisa: tanto me faz. Pressa de voltar aqui a fim de continuar a escrever. Leio a última frase e avanço aos solavancos, este é um ofício esquisitíssimo. Quando lerem nem sonham o que penei nas frases. Quer dizer, espero que nem sonhem o que penei nas frases. Tem de parecer fluido, fácil. Que dia é hoje? Sei lá, tanto faz. Tanto faz? Tanto faz. Um relâmpago e logo a seguir sons de penedos enormes a caírem uns por cima dos outros. Se tivesse quinze anos outra vez jantava com os meus pais, os meus irmãos. Tenho saudades disso, de fazer parte de uma família. Esperar, aflitinho, diante do quarto de banho fechado. Se batiam à porta avisava-se
- Está gente
num berro que os azulejos ampliavam. Pode parecer ridículo mas adorava voltar a fazer cocó em Benfica. A banheira com patas de leão, o esquentador pré-histórico, os perfumes da minha mãe numa mesa, o cheiro da laca dela, a brilhantina do meu pai, o pente sempre gorduroso, a escova com que alisava o cabelo apertando-o nas têmporas. Era o único de nós que fazia a barba. Acho que também não visitou as Bermudas nem Marrocos nem Porto Rico. Saía para o hospital de manhã, voltava ao fim do dia e tudo cheirava a cachimbo. Achava esquisito que tratasse o meu avô por pai, pai era ele, o meu avô era avô. Esse fazia a barba também. O mundo inteiro fazia a barba menos eu.Sinto a falta da rapariga lá em baixo, à chuva, preocupo-me com o que lhe terá acontecido. Nem quero pensar que a água das valetas a levou, de mistura com as folhas caídas.
António Lobo Antunes
Excerto retirado da Revista Visão nº909
Foto feita na Quinta dos Olhos Bolidos - 05/08/10
O Contrabaixo Patrick Süskind
Qualquer músico vos poderá assegurar, de boa vontade, que uma orquestra dispensa sempre o maestro, mas nunca o contrabaixo. (…)
Aonde eu quero chegar é à constatação de que o contrabaixo é, sem dúvida o instrumento orquestral mais importante. Mas nisso ninguém repara.
Sobre ele se constrói a estrutura de base da totalidade orquestral, sobre que assenta a orquestra, incluindo o maestro. O baixo é, portanto, o alicerce a partir do qual se eleva esta magnífica construção, visto como imagem, claro. Experimentem retirar o baixo e verão como resultado a mais pura confusão linguística, Sodoma, onde deixa de se saber, porque é que afinal se faz música.
pp. 6,7 e 8
Aonde eu quero chegar é à constatação de que o contrabaixo é, sem dúvida o instrumento orquestral mais importante. Mas nisso ninguém repara.
Sobre ele se constrói a estrutura de base da totalidade orquestral, sobre que assenta a orquestra, incluindo o maestro. O baixo é, portanto, o alicerce a partir do qual se eleva esta magnífica construção, visto como imagem, claro. Experimentem retirar o baixo e verão como resultado a mais pura confusão linguística, Sodoma, onde deixa de se saber, porque é que afinal se faz música.
pp. 6,7 e 8
Nasci em Ambach, junto ao lago de Starnberg, em 1949 e não toco contrabaixo, mas piano. A minha formação musical esteve, a partir do meu sétimo ano de vida, nas mãos da senhora Traudl Schulze de Ambach, e abrangeu o estudo das obras Die Hunnen kommen (Os Hunos estão a chegar), Album für die Jugend (Álbum para a juventude) e algumas sonatas para quatro mãos de Anton Diabelli. Aos dezanove anos terminei o estudo da disciplina de piano com uma sonatina de Kuhlau e a segunda parte para piano da sinfonia com timbales de Joseph Haydn (1.° andamento).
Escrevi a peça O Contrabaixo no Verão de 1980. Trata-se, entre muitas outras coisas, de como vive um homem no seu pequeno quarto. Ao redigir o texto fui-me servindo, na medida do possível, das minhas próprias experiências, uma vez que tenho passado grande parte da minha vida em quartos sempre cada vez mais pequenos e que abandono com dificuldade cada vez maior. Mas tenho esperança de um dia vir a encontrar um quarto tão pequeno e que me oprima tanto que, ao deixá-lo, o leve comigo.
Anabela Mendes
Bibliografia DIFEL
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
A Secreta Viagem
No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada…
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
Tornamo-nos reais, e de Madeira, à proa…
Que figures de lenda! Olhos vagos, perdidos…
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa…
Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem…
Aonde iremos ter? – Com frutos e pecado,
Se justifica, enflora, a secreta viagem!
Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa…alheio aos meus sentidos
—Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
In A Secreta Viagem
David Mourão-Ferreira
Foto feita no Cais Palafítico da Carrasqueira - 01/08/10
domingo, 8 de agosto de 2010
Ir mais a funerais do que a casamentos mata-nos
A minha infância foi passada nos anos 70, no bairro da Pena, o mesmo onde nasceu a Amália. Lembro-me de ver as peixiras descalças a subir a calçada. Lembro-me de só uma pessoa ter carro lá no bairro. brincava na rua, os meus filhos não brincam na rua. Os meus filhos vão lembra-se daqui a uns anos da vida de condomínio, eu lembro-me da vida de rua. Ter vivido nesse bairro foi mais importante do que assistir ao 25 de Abril. Claro que o 25 de Abril foi importante, os anos 80 foram importantes, hoje choro quando oiço as Doce. É isso: chamaria, antes, à minha geração a "geração bem bom". Não me parece que tenhamos tido azar. Todas as gerações são abençoadas, se tiverem noção disso. Agora temos a geração dos recibos verdes. Mas na casa deles ainda não chove.
Rui Zink
Pública, Hoje
Rui Zink
Pública, Hoje
Um dos Exlibris de Milfontes é sem dúvida o seu porto de pesca, “O portinho do Canal”. À chegada, antes de descer ao porto pode aproveitar o miradouro junto ao estacionamento e desfrutar de uma ampla vista sobre o mar, uma oportunidade cheia de cor e luz. Também pode optar pelas horas do indescritível pôr do sol.
O portinho foi alvo de obras de requalificação que o dotaram de uma nova Lota e de um conjunto de aprestos destinados aos pescadores, e que permitem melhores condições de trabalho e maior organização da actividade desenvolvida.
O portinho foi alvo de obras de requalificação que o dotaram de uma nova Lota e de um conjunto de aprestos destinados aos pescadores, e que permitem melhores condições de trabalho e maior organização da actividade desenvolvida.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
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